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quinta-feira, 17 de março de 2011

O apito


Descendo a escada com os pés descalços. Chão frio, sujo, escorregadio. Caminho longo, imenso até um foco de luz lá no final. Ainda tentando caminhar sem conseguir por causa da escuridão minhas mãos procuram o interruptor para acender uma luz. Mãos seguindo pela parede. Tateando como cego. Procuro, procuro e não acho. Descendo mais degraus infinitos e sem motivo pra descer. Devagar. Bem devagar e com medo. Encontro com uma das mãos um portão grande que abro para ver o que está acontecendo. O trinco do portão é duro e o barulho que se faz ao tentar forçá-lo é irritante. Mas abro. Ainda sem saber o motivo. Abro e saio fechando o portão. O silêncio ao redor faz da noite um esconderijo para coisas estranhas. As penas e braços começam a tremer por causa do frio do tempo e do frio do medo que surgiu. É melhor voltar. Não tem motivo então volta. Mas a teimosia me faz continuar. Os passos começam a apressar e a tremer ao mesmo tempo em que o cheiro da neblina da noite invade o ambiente. O caminho que está iluminado por fachos de luz amarelados que enfeitiçam os insetos que tentam encontrar a luz e acabam se debatendo e morrendo de tanto tentar entrar num lugar impossível. O silêncio a essa hora já não existe mais. Ao me dar conta do que envolve o meu redor ouço barulhos do silêncio da noite. Se é que esse pode ser seu nome. Gatos miando ao longe. Cachorros também no mesmo coro uníssono. Grilos e sapos nem se fala. Apito. Mas que apito é esse? Bem de longe um apito que rompe o silêncio e com ele um grito de uma mulher gorda. Como você sabe que ela é gorda? Pelo timbre voz. Forte. Impetuoso. Acertei. Era a vizinha da quinta casa que brigava com o marido, com os filhos, com o papagaio, com o cachorro, com todos. E agora pra saber quem era a vítima do momento era impossível. Mas, e o apito,o que era mesmo que ele queria ? Queria apartar a briga? Não, não era isso. Apenas queria fazer o seu trabalho de passar horas e horas nas ruas para saber se estava tudo bem. O que rompeu realmente o silêncio não foi o apito, a mulher gorda, o grilo, o inseto da luz, o gato. Foi o tiro. O tiro rompeu o silêncio e rompeu o coração de uma vítima que naquela hora da noite passava de volta para casa. Após o tiro no coração do homem o meu coração pulsou tão alto que eu só conseguia ouvir ele. Segundos depois do coração atingido uma multidão já estava em volta do corpo ali estendido para saber o motivo da morte do homem. E eu? Na minha cama encoberto pelo meu lençol de culpa. Culpa? Você por acaso atirou no homem? Não. Presenciei o crime por está na rua àquela hora. O apito. eu vi tudo. Foi o apito que começou tudo aquilo. Ou foram a escada, os pés descalços, o portão, o silêncio? Mas agora vou manter meu silêncio. E se tiverem visto você? Não. Não viram. Joguei o apito fora do alcance deles é claro.

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